sábado, 19 de janeiro de 2008

O irmão mais novo do Frevo



Aos 90 anos, 73 dos quais à frente da Orquestra Tabajara, o maestro pernambucano Severino Araújo converteu-se num bastião do frevo

JOSÉ TELES

O maestro Severino Araújo tem dez anos a menos do que o frevo. Há 73, ele está à frente da Orquestra Tabajara, uma lenda na música brasileira – ambos, o maestro e a orquestra. Aos 90 anos, convalescente de uma operação no joelho, ele alterará uma rotina iniciada no final dos anos 30. Mais uma vez, como vem acontecendo desde 1938, a Orquestra Tabajara animará vários bailes de Carnaval no Rio de Janeiro, o maestro, no entanto, não vai estar no palco: “Estou preparando o repertório que a orquestra vai tocar, por causa da cirurgia não vou poder fazer o Carnaval. Quem me substituirá será Jaime, meu irmão mais novo”, explica Severino Araújo. A propósito, o irmão mais novo dele tem 81 anos, e além dele, outros irmãos também foram músicos e tocaram com ele na Orquestra Tabajara: Manuel, trombonista, e Plínio, baterista. Depois de Severino Araújo, o mais famoso da família foi José, mais conhecido como Zé Bodega, sax tenor, que marcou época na música brasileira.

Nascido em Limoeiro, Agreste de Pernambuco, filho de mestre de música, ele teve uma trajetória parecida com a de Capiba, cujo pai exercia a mesma profissão. Ainda criança, a família de Severino Araújo mudou-se para a pequena Ingá, no interior da Paraíba. Foi ali que se destacou como clarinetista, a ponto de sua fama chegar à capital do Estado e receber convite para integrar a Banda da Polícia Militar. A carreira recordista de Severino Araújo com a Orquestra Tabajara começa em 1937, João Pessoa, quando foi contratado como clarinetista da PRI-4, emissora do governo do Estado, a Rádio Tabajara. E no ano seguinte, com o falecimento do maestro Luna Freire, ele foi convidado para reger a orquestra, da qual passou afastado um ano, quando foi contratado pela poderosa Rádio Tupi, do Rio.

Na então capital federal, Severino Araújo logo tornou-se requisitado como músico e arranjador, e gravou seus primeiros discos. A estréia, com frevo, naturalmente. Com o cantor Déo, no vocais, e uma orquestra de estúdio lançou Eu vou pra Pernambuco, em outubro de 1944. O primeiro sucesso foi Chorinho em Aldeia, composto quando ele serviu o Exército no Recife (Aldeia a que se refere é o bairro de Camaragibe, embora o batalhão em que serviu fique em Paudalho). A orquestra foi para o Rio em 1945. Ela e seu maestro nunca mais se separaram desde então.

O frevo, ele conta que faz parte da sua vida: “Eu não sou o mais indicado para falar da história do frevo. Meu pai é que foi um grande compositor de frevos”, diz, modesto, em conversa por telefone de sua casa, no Rio. Mas não demora a lembrar que a Orquestra Tabajara gravou muitos frevos, e que ele compôs alguns clássicos do gênero, e pelo menos um álbum antológico, A Tabajara no frevo (Continental, 1956). É deste álbum um dos frevos mais regravados de Severino Araújo, Relembrando o Norte, “Esta música eu ainda fiz em João Pessoa, com o nome de Frevo de Cabo Branco, mas como ninguém no Rio sabia o que era Cabo Branco, mudei para Relembrando o Norte”, revela o maestro.

Para ele foi a força das escolas de samba que barrou o sucesso do frevo no Rio: “As escolas estão pelo Brasil todo, são muito poderosas. Mas quando chegamos aqui, em 1945, contratados pela Rádio Tupi, fizemos sucesso tocando frevo. Ficamos seis meses fazendo bailes com frevos, e o que o patrocinador nos pagou deu para juntar uns bons cruzados (sic), e ainda sobrou dinheiro para a Tupi”, conta.

Com um dos currículos mais ricos da MPB, gravando com praticamente todos os grandes nomes da era do rádio, o frevo nunca saiu do repertório da Orquestra Tabajara. Foi acompanhada pela orquestra de Severino Araújo que Carmélia Alves emplacou um sucesso, em 1954, com o frevo-canção Casa de Noca (de Capiba). Quando sabe que no Recife as escolas de samba não têm mais tanta força, ele emenda: “Nem o frevo. A última vez que a Tabajara fez Carnaval no Recife foi em 1977. Sei que o frevo não toca mais por aí. E isso acontece porque os grandes compositores morreram, existem poucos dos cantores do passado, e as orquestras desapareceram. Mas não foi só por causa do fim dos bailes de Carnaval, e sim porque os clubes de pedestres que saíam levando o povo pela rua, com boas orquestras, também desapareceram”, analisa.

O mais idoso compositor de frevo, ainda em atividade, não aprova muito o que lhe tem chegado de Pernambuco, “Ouço pouco, mas acho um frevo errado, é muito corrido. No último Carnaval vi o Recife na TV, mas quando a orquestra toca é muito ligeiro, não era assim o frevo que conheci”.

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