sábado, 19 de janeiro de 2008

A folia reinventada de Lula Cardoso Ayres

A obra de um dos mais completos artistas modernistas do País (foto acima) é fonte de inspiração para a decoração carnavalesca do Recife

OLÍVIA MINDÊLO

O que há em comum entre essas pinturas e a decoração carnavalesca que já começa a invadir as ruas do Centro do Recife tem três palavras: Lula Cardoso Ayres. Um dos mais completos artistas modernistas de Pernambuco, e do País, Lula soube acertar bem o passo de seus pincéis para dar vida à maior festa do nosso Estado. Com igual devoção, também se debruçou sobre as diferentes manifestações culturais pernambucanas, tão caras ao modernismo no seu esforço de traduzir a identidade brasileira. Portanto, há de se aplaudir a homenagem que o Carnaval do Recife faz ao artista.

Mais do que um pintor, Lula travou com a folia uma relação de antropólogo visual e, ao mesmo tempo, de observador passional, traduzida em trabalhos de design gráfico, fotografias e até em croquis para decoração dos bailes. Foi ele quem assinou, nas décadas de 40 e 50, o projeto de decoração dos tradicionais bailes dos clubes. Também foi Lula o primeiro a fazer o planejamento visual para o Carnaval de rua da cidade, na gestão do prefeito José do Rego Maciel. Fora isso, o artista fotografou passistas, na época em que ainda arriscavam o passo com um guarda-chuva a tira colo, projetou marcas para produtos inspiradas na festa e, claro, pintou quadros memoráveis, como é o caso do óleo sobre tela Frevo, de 1945.

Com exceção desta última obra, os traços do chamado abstracionismo geométrico marcaram a maioria de seus trabalhos, quase sempre coloridos e repletos de movimentos – como as demais danças populares. A estética modernista do jogo das cores e das formas inspirou os desenhos de Joana Lira para as peças decorativas do Carnaval 2007. Ela trabalha na empresa Lira Produções, do arquiteto Carlos Augusto Lira, responsável pelo projeto da festa de rua do Recife e do Baile Municipal, que acontece hoje no Chevrolet Hall. “Trabalhamos em cima do traço do pintor modernista, geométrico, cheio de sombras, facetado, angulado. Fizemos, então, uma estudo iconográfico de toda a sua obra, mas não é uma releitura, é uma recriação”, explica Carlos Augusto Lira, desde agosto passado nesse ofício.

Um certo ar de Carnaval europeu, onde pairam máscaras venezianas e um glamour parisiense, também está por trás do olhar de Lula ao retratar a festa de Momo, principalmente nas suas pinturas à guache dos anos 20 e 30. A influência não é à toa. Ainda na juventude, no início do século 20, Lula morou no Rio de Janeiro, cujo Carnaval era impregnado pela cultura européia, de pierrôs e colombinas. Nos anos 20, passou a morar em Paris, onde recebeu fortemente as influências das vanguardas modernas. Foi só por volta da década de 40 que Lula voltou morar na sua terra natal, mais precisamente na Usina Cucaú, propriedade do pai João Cardoso Ayres, na Zona da Mata. A partir daí, e da vinda ao Recife, em 1945, o artista mergulhou nas raízes locais que marcariam para sempre a sua arte.

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